21. Resguardando-se a perspectiva e mesmo a qualidade da Figura 9, fica evidente que a largura da via comportaria pelo menos dois carros, o que claramente é impossível imaginar na largura atual do final da trav. Felix Rocque, conforme evidencia a Figura 10, que efetivamente tem-se transfigurado em um “beco” que não corresponde à sua dignidade histórica conforme se contrasta com os mapas históricos das Figuras 2 e 3.
22. No que tange aos registros dos limites do terceiro lote, de 14,07 m de frente, junto a SPU, entendemos que deveria acompanhar a dimensão registrada nos ÚNICOS documentos de compra e venda, que encontram a devida correspondência na Certidão do Cartorário Cleto Moura, que indica a medida de 12,22 m. Nesse sentido a SPU deve reconhecer a falha em seus registros e corrigi-las, sob pena de gerar um grave prejuízo à municipalidade.
23. Ao ser legalizado o terreno de marinha, não respeitaram a perpendicularidade documental que havia já desde os dois primeiros lotes, quem tem a metragem de 12,22 m, assim fosse, seria mantido o alargamento do final da via, como sempre se apresentou, historicamente.
24. Outra possibilidade possível é que a iniciativa de se estreitar a via tenha partido da observação pelos proprietários de que o terreno a sua esquerda sofre uma inclinação aproximada de 2 graus para o seu interior, que resulta ao longo de seus 93 m, no alargamento do final da via, na seguinte ordem, partindo da R. Siqueira Mendes, aproximadamente: aos 16m, uma abertura de 0,56 m; aos 33 m, uma faixa de 1,15 m; aos 49 m, uma faixa de 1,71 m e aos 93 m, uma faixa de 3,25m, daí realinharam o terreno de nº 58, praticamente em paralelo com o alinhamento da parede à esquerda, usando como referência a largura inicial, porém, apropriando-se indevidamente de parte da via, vez que a área de aproximadamente 151 m2 nunca foi objeto de compra ou transferência de terreno, que se comprove por qualquer documento, além dos registros na SPU. É, portanto, o terceiro lote, resultado de aterramento de uma área considerável para dentro da baia, somado a invasão de aproximadamente 151 m2 da travessa Felix Rocque.
25. O Parecer nº 107/2013-IPHAN, de aprovação do projeto, constata o correto alinhamento do terreno, sem avanços à rua, ao registrar em seu primeiro parágrafo: “A edificação pretérita encontra-se no alinhamento frontal e lateral do lote e as demais, nos lotes que se seguem na área posterior, também no alinhamento”. Também indica que foi detectado erro na escritura do imóvel e no alinhamento, o que gerou embargo da obra. (pg.28-32).
26. Considerando a denúncia, o IPHAN informa à SEURB, em ofício nº237/2013, de 31/05/2013, que anularia o parecer de aprovação do projeto e que embargaria a obra, requisitando que a SEURB fizesse o mesmo e que fosse revisto o alinhamento informado, recuando-se o último bloco pelo alinhamento do primeiro ao invés de avançar os demais. Em suma, o IPHAN reconheceu o equívoco cometido, considerando a estreiteza da via, a possibilidade de ampliação da visada para a baia ao invés da redução e a relação do prédio com a área urbana envoltória também tombada.
27. A SEURB, por sua vez, responde ao IPHAN, via ofício nº 1139/13, de 09/07/2013, informando da revisão do alinhamento em 24/06/2013, “corrigindo a largura do início da quadra para 3,46 m e a largura do final da travessa para 4,30 m, cota que deverá prevalecer, resgatando o passado”. Informa ainda que tal orientação foi repassada para o proprietário e responsáveis técnicos da obra para procederem e reestudarem nova proposta de ajustes do projeto arquitetônico para então ser submetido à análise do IPHAN. (pg. 33-34).
28. Constata-se que a denúncia, o posicionamento do IPHAN e da SEURB, que indicam a necessidade de ajustes, contradizem totalmente a vistoria técnica executada pela FUMBEL, em 12/04/2013, que afirma a não existência de nenhum pilar construído ou em execução no meio da Tv. Felix Rocque, que impeça a passagem de transeuntes, possivelmente tendo como referência algum croqui equivocado da área, embora reconheça ter constatado que a obra em andamento se tratava de perfuração dos locais que seriam feitas as fundações do prédio, de acordo com o alinhamento retificado. (pgs.35-38). Nos registros fotográficos da vistoria, observa-se claramente o limite preexistente da travessa, ou seja, a parede da antiga casa, o tapume avançado, algumas ferragens indicando a base de pilares, avançando para a travessa e marcações em madeira, que parecem condizer exatamente com o alinhamento atual imposto pelo projeto.
29. Vale aqui salientar que do reposicionamento da SEURB, descrito no ofício nº 1139/2013, de 09/07/2013 até o parecer do IPHAN, de 31/07/2014, decorreu-se mais de um ano.
30. Em 31/07/2014, o IPHAN emite parecer nº 085/14, que objetiva a renovação de prazo do Parecer nº107/2013-IPHAN, de 19/08/2013, de aprovação do projeto, onde consta além da construção pretérita, apenas duas outras edificações, que se enquadram no gabarito de 7 m. Nele também consta foto da fachada lateral, datada de 31/07/2014, onde fica claro o alinhamento entre as paredes laterais das ditas construções extemporâneas com o imóvel da Siqueira Mendes, nº58.(pgs.39-41).
31. O IPHAN revalida o projeto e mesmo admitindo ter aceitado o avanço para a rua, da construção da área de 12,22 X 33 m, em 0,68 cm, considerando algumas compensações, como: o preparo da rua, afirma textualmente: “a construção dos anexos não causam interferência visual no meio urbano, o projeto atende aos critérios de manutenção da ambiência, legibilidade e salvaguarda do patrimônio cultural do bairro da cidade velha. Desta forma, o IPHAN aprova o projeto apresentado”. (pgs.6-10/Dossiê), o que a nosso ver não cabe na interpretação do caso, posto que a obstrução é absolutamente evidente e altera a leitura, visibilidade e ambiência do espaço urbano.
32. Constata-se ainda claramente que a proprietária do terreno não acatou completamente as determinações da SEURB em revisar o projeto para adequá-lo às orientações, vez que não respeitou a largura legal do segundo lote, que é de 12,22 m.
33. O mesmo parecer do IPHAN menciona uma terceira área, medindo 14,07 x 44,16 m, que na certidão do Cartório Diniz é indicada como terreno em fase de legalização junto a SPU, conforme RIP nº04270100214-58, processo 1028006644/8609. (pg. 42-47).
34. Diante do exposto, depreende-se que, precisamente ao protocolar o projeto junto ao IPHAN, a interessada não dispunha da propriedade legal da área supostamente de dimensões de 14,07 X 44,16 m, portanto, não deveria propor construção definitiva no local.
35. Considerando o dever precípuo do IPHAN de salvaguardar o patrimônio cultural e que no contexto do meio urbano e da ambiência, inclui-se tanto o prédio, quanto a rua, instala-se a dúvida quanto à compatibilidade entre o projeto aprovado pelo órgão e o que foi efetivamente executado na área, que induvidosamente gerou o evidente aumento de área do terreno e conseqüente estreitamento da rua e calçada, causando um impacto visual dantesco e a inconteste alteração da ambiência do local.
36. Fato concreto é que o projeto foi aprovado, tolerando-se a invasão da travessa Felix Rocque e ainda tendo como referência um primeiro croqui oferecido pela SEURB, que claramente não fora compatibilizado com a documentação de propriedade, nem tampouco, com os documentos que determinam a largura da travessa, tanto que posteriormente foi determinada a sua correção.
37. Em 28/05/2014, dando sequência ao processo, a Promotoria de Meio Ambiente, reúne em audiência extrajudicial, com os representantes da empresa para que esclareçam documentalmente a questão, dada a denúncia.(pg.20-21).
38. A empresa Barra do Pará Belém-Vila do Conde e adjacências Serviços de Praticagem S/S Ltda, em resposta a Notificação nº004/14, da Terceira Promotoria de Justiça do Estado do Pará, Promotor Raimundo de Jesus Coelho de Moraes, apresenta a Certidão do Cartório Cleto Moura, Registro de Imóveis do 1º Ofício, onde se confirma a dimensão de 12,2x49 m.(pg.25-27).
39. Ocorre que na solicitação de aprovação dos projetos não apresentou tal certidão e sim a certidão do Cartório Diniz, que indica a terceira área ainda em fase de legalização junto a SPU, conforme RIP nº04270100214-58, processo 1028006644/8609, (pg. 42-47), ou seja, os órgãos de aprovação e licenciamento do projeto, o fizeram considerando uma área da qual a empresa não dispunha do exato documento de propriedade, critério básico para a admissão e avaliação de projetos, fatos conhecidos pela interessada e que não teriam ocorrido caso tivesse apresentado a documentação correta, a mesma que entregou à promotoria de meio ambiente. Note-se que na descrição do 3º lote, o Cartório Diniz registra: “terreno edificado, em alvenaria, situado nos fundos do imóvel anteriormente descrito, que mede 14,70m de frente por 44,16m de fundos, ou o que realmente tiver e for verificado in loco...”.
40. Assim, supõe-se que a empresa antecipou-se em tentar aprovar o projeto sem aguardar a conclusão do processo junto a SPU, induzindo os órgãos a erro.
41. A SEURB, em ofício de nº2771/14, de 19/09/14, em resposta ao ofício nº232/14-MP 3 PJ/MA/JC/HU, de 02/09/14, apresenta novo croqui, informando que “já há alinhamento consolidado, definido pela parede do imóvel existente na área do Centro Histórico”. Nele indica categoricamente a existência de pilares e tapume obstruindo a via pública, assim como, a evidente alteração da volumetria do terreno, decidindo então a luz do Plano Diretor Urbano, por determinar o recuo de 0,50 cm, a partir dos pilares frontais existentes e de 2,00 m, a partir do tapume frontal existente, o que claramente não foi obedecido na execução do projeto, vez que a empresa se limitou a simplesmente retirar o tapume, mantendo inalteradas as linhas do projeto, assim se mantendo em face da precária fiscalização dos órgãos de preservação e licenciamento, basta a comparação entre registros fotográficos de antes e depois da construção. (pg.48-51).
42. Em complementação às informações do ofício nº2771/14-SEURB, a Divisão de Alinhamento Predial da SEURB, declina em Informação nº06/14 e relatório, que o novo croqui dependia da avaliação do IPHAN e da FUMBEL, ou seja, não poderia servir de parâmetro sem tais aprovações, por tratar-se de área tombada. (pg.50).
43. Após prestadas tais informações, a 3ª Promotoria de Justiça de Meio Ambiente, Promotor Raimundo de Jesus Coelho de Moraes, na NF nº 0001293-116/14, de 29/09/14, determinou: que a empresa retirasse o tapume existente, que segundo o croqui atualizado pela SEURB estava obstruindo a via pública, bem como, se abstivesse de realizar obra no trecho considerado via pública; Determinou também para a SEURB, que utilizasse de seu poder de polícia e retirasse os obstáculos, leia-se tapume e pilares, no descumprimento da empresa. (pg.52-53).
44. A 3ª Promotoria, diante da comprovação do desalinhamento do projeto em execução, notificou em 09/10/2014, à empresa Praticagem da Barra do Pará, SEURB, IPHAN e FUMBEL. (pgs.54-56).
45. – O IPHAN através do Ofício nº 091/2015, responde ao Ofício nº 252/2014 –MP-3º PJ/MA/PC/HU, onde informa que o parecer anterior foi cancelado e a obra embargada, pois, após consulta aos cartórios houve a constatação de um equívoco de digitação, onde a escritura declarava 14,70m, deveria ser considerado 14,07m, levando à SEURB a corrigir o alinhamento pela nova informação cartorial. Após a retificação do projeto, de acordo com as novas medidas, o IPHAN aprova o projeto, mesmo reconhecendo que "Ainda assim, essa cota é 1,85m superior à cota da edificação que foi demolida."
46. Diante dos fatos supra, mesmo reconhecendo que parte das obras destina-se à recuperação de edificação histórica, pela iniciativa privada, o que é desejável e deve ser incentivado, não podemos corroborar para que tais ações, sejam justificativas para se apoderar da via pública, no que insistem em chamar de “beco”, quando desde os primórdios, trata-se de importante via no centro histórico da cidade, sendo como tal, tombada pelo patrimônio histórico municipal e nacional.
47. Além disso, a recuperação e a instalação de atividades em áreas históricas de valor cultural, não são em si um ato de condescendência da iniciativa privada, posto que em âmbito mundial, são estes bens e áreas, procuradas como pontos de referência social e econômica, diferenciadas de outras áreas da cidade, justamente por seus atributos históricos, arquitetônicos, urbanísticos e culturais.
48. Torce-se assim para que o empreendimento seja exitoso e fortaleça o caráter da instituição, porém, não é de se admitir o estreitamento da via, a apropriação indevida de bem público, gerando inúmeras irregularidades, como as que são a seguir elencadas:
a) Obra executada fora do alinhamento legal;
b) Ocupação privada no espaço público;
c) Fechamento irregular da janela para o rio;
d) Afronta ao código de postura do município;
e) Afronta às legislações de proteção patrimonial, quer em âmbito municipal quanto federal, incluindo a Constituição Brasileira;
f) Crime contra o patrimônio histórico e a memória urbanística da cidade;
g) Crime ambiental;
h) Impedimento de acesso dos bombeiros para abastecimento de água no rio;
i) Riscos ao meio ambiente.
49. Ao autorizar a obra, sem defender o traçado histórico da rua, os órgãos que licenciaram a obra passaram a defender o interesse particular em detrimento do interesse público do povo de Belém, que é o direito ao Patrimônio Cultural, bem de natureza difuso, o que, por consequência, é indivisível e imaterial e por isso não é de propriedade exclusiva de ninguém, ou seja, possui titularidade difusa no meio social, sendo, portanto, indeterminada.
50. São bens, portanto, de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, e por esse motivo, não podem ser objeto de apropriação exclusiva, pertencendo a toda a coletividade.
51. Por todo o exposto, entendendo que o embargo foi medida mais do que acertada, requisitamos que essa Promotoria faça valer a determinação já prolatada e mais do que reforçada formalmente pelos relatórios da SEURB e manifestações do IPHAN e da SPU, para garantir a demolição da parte que invade a rua, inclusive do ancoradouro, devolvendo à Tv. Félix Rocque o seu antigo e histórico traçado, garantindo assim, o devido respeito a essa e as demais instituições envolvidas, à ordem legal, consagrando tal decisão como um emblemático presente de 400 anos para Belém, assim como, um marco de reforço e execução das leis de preservação do patrimônio histórico, que justamente tem sido vilipendiado, em grande medida pela fragilidade das instituições de preservação.
52. No mais, consideramos ainda necessária a devida avaliação quanto ao cumprimento tanto pelos elaboradores do projeto, empresa responsável, Secretaria de Patrimônio da União, órgãos de preservação e dessa Promotoria, referente às exigências legais, Portaria nº 404/12, de 28/12/2012, para a construção da estrutura náutica existente no local, aprovada pelos órgãos de preservação. (pgs. 57-66).
53. Por JUSTIÇA, nós, Movimento Orla Livre, AAPBEL, CIVVIVA, ARQPEP, ASAPAM, Observatório Social de Belém, LACORE e Projeto Circular Cidade Velha-Campina, dentre inúmeras outras entidades da Sociedade Civil, queremos a rua, que sempre foi rua, o rio que é nosso caminho. A memória e a cidade que merecemos!
Certos de vossa sensibilidade em prol da preservação do patrimônio histórico, bem como, do pronto acolhimento aos nossos anseios, manifestamos nossos protestos de estima e consideração.
Respeitosamente,
MOVIMENTO ORLA LIVRE